sábado, 25 de setembro de 2010

Laranja Mecânica





Mesmo com toda apologia á violência, esse filme é um dos meus favoritos. Mais uma vez recorro ao mestre Godard, que disse, “a arte pode transfigurar a vida mas não pode criá-lá”. Está, então, justificado o conteúdo aparentemente violento do filme, que não deve ser visto com olhar moralista... É um filme provocativo, e como boa obra de arte, trabalha com o inesperado. A questão arte e sociedade deve ser considerada, claro, mas não com olhar superficialmente focado no cru, porque este filme é um biscouto fino!
Gosto de pensá-lo como uma reflexão das vanguardas da arte e, porque não, da política! Toda a tentativa de levar a arte ao cotidiano sofre resistências de todos os lados... essas buscas utópicas por transformações culturais e sociais através da arte, estão intimamente ligados a violência. A cada vez que chegamos aos limites das experiencias artísticas, seja qual for a natureza, estamos trabalhando também nos limites da violência...
Os modelos são inúmeros... Martin luther King e Jesus Cristo ou Malcom X e Moisés. O olho por olho, a arma na mão, a diplomacia e o amor, tudo é violento. O livro e o filme são violentos porque percorrem as artes e a política, e desse modo, não poderia fazê-lo de outro modo que não fosse externando o caos pessoal dos personagens, que controlam e são controlados.
No último capitulo do livro no qual o filme se baseia, há uma reconciliação entre Alex e a sociedade contra qual ele se revoltou... o filme, não mostra isso, o homem é convertido à técnica e já não tem poder de escolha. É justamente contra essa condição robótica, que Alex se revolta. Ele quer defender o homem do processo violento de civilização e ao mesmo tempo, é a personificação da arte.

O filme é dividido em três atos, no primeiro Alex (como Deus da arte) passeia por entre as artes: teatro, dança, música, artes plásticas... e ao fazê-lo os transforma violentamente, através da própria vida, porque vive uma eterna performance. Alex controla, ele dita, por isso espanca um velho logo na primeira cena, é seu aviso de que pretende romper com as tradições. A última cena do primeiro ato, é a morte de uma colecionadora de arte, que reafirma a vontade de transgredir de Alex que possuía o controle de si e fazia outros reféns...
No segundo ato, Alex é pego pela sociedade de controle para controlar seus atos de violência, para isso ele é violentado.
O último ato Alex está sem controle de si, anda agora controlado, mas percebe que não poderá viver sem violência em uma sociedade violenta.

Espremendo a Laranja...

Primeiro:
Nos colocando no lugar (palco) de Alex, vemos que o personagem em si não é violento de modo cru, ele age com violência performática, sua violência é a arte do seu tempo. Por isso ele espanca o velho, ele espanca a tradição, o atraso social.
Na cena do estupro no teatro, Alex interrompe o estupro como um diretor faria, e a cena mostra o ato como uma dança desconexa. Ele não diz que estuprar é errado, e sim que estuprar com roupas e emblemas nazistas é cafona. A forma como o estupro foi feito é que foi mais “estuprante”... A dança aparece mais uma vez, na briga de Alex e Billy Boy, dança contemporânea.
Ao desconstruir a música “cantando na chuva” Alex mostra o que é “amor” em sua fisicalidade (ainda que isso parece subjetivo, mas vamos viajar na idéia...), e a dança e o teatro se unem, como num musical.
A música “Ode a Alegria” é uma constante... ressaltando o sentido filosófico de arte perfeita. Esse olhar filosófico sobre a “sacralidade” da música é sublinhado por Alex durante a cena da saideira na leiteria, quando uma mulher canta Ode a Alegria e um dos seus parceiros faz piadas, Alex fica irritado porque compreende o sentindo intimo de obra de arte que é capaz de transformar.
Os amigos de Alex, não o compreendem. Um exemplo é a cena em que Alex dá uma paulada em um dos seus amigos, Alex quer performance, não quer tirar proveito algum, quer ter o prazer que um criador tem em criar.
No contexto do filme, a mulher que Alex mata com um pênis gigante, é quem possui a violência nas mãos, por ser burguesa e chamá-lo de miserável, por pretender ditar o que é arte. Como personificação da arte, Alex descarta os princípios tradicionais ao matar a personificação de um ditador de moda.

Segundo:
Alex e as instancias da lei.
1.A delegacia inglesa que tortura com lei radical
2.A prisão, que põe Alex nu e o chama por um número assim como nos campos de concentração
3.O Centro: animaliza Alex, que é domado com tratamento cinematográfico, mostrando a violência que é estar em uma sala escura, olhando para uma grande tela, ouvindo um som alto e estando limitado a uma cadeira, devendo silencio. Põe o cinema como a arte mais violenta.

Último ato:
Quando Alex toma consciência de que não é possível viver sem controle. Reencontra pessoas que se vingam, encontra os amigos (antes “criminosos”) nesse momento são policiais (mostra que não há diferença entre o crime e a lei)
Alex nos mostra que não se pode viver sem violência em um mundo violento. Temos aprova de que Alex era mesmo um artista de seu tempo, a única possibilidade de arte de vanguarda, porque vivia inteiramente a arte do seu tempo.
Quando Alex é levado ao centro, é como se uma obra de arte feita para ser manuseada, fosse entregue ao museu, encontra-se com suas funções originais subtraídas de si.
A cena final, onde ele pensa estar transando para uma platéia que o aplaude, garante mais uma vez sua condição de ser a personificação da arte, por elevar a luxúria do seu tempo ao statos de arte.

4 comentários:

  1. Acho engraçado às vezes, como pontos de vista podem ser diferentes, mas em síntese acabam meio parecidos.
    Nunca olhei pra filme nenhum, com uma visão tão profunda assim. Conseguindo dissertar sobre as diversas nuances dentro de uma obra.
    Mas apesar de não ter olhado tão artisticamente pro filme. no final das contas ele soa de uma forma parecida com a que tu escreveu.

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  2. Valeu Marcelll... pensei que tinha visto coisas de mais nesse filme.
    Uns dizem "que filme maluco! ou tosco!", outros dizem "que filme facista!".
    E eu achei o filme "tão bonito!"

    Bom, como toda boa obra aberta, nesse filme cabe tantas interpretações que só levam o nome de Stanley Kubrick ao máximo da afirmativa "ame ou odeie"... bom, contra quem quer que seja, eu o amo!

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  3. também estou aki pra confessar que nunca havia visto o filme nesse ponto de vista, acho que antes de por qualquer comentário mais profundo sobre esse post, devo assistir novamente ao Laranja mecanica...

    ai está uma tarefa bem facil, porque eu gostei desse filme mesmo achando meio louco, meio Kubrick...

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