domingo, 21 de novembro de 2010

O último grande contestador do cinema

Anotações do V Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual (SEMCINE) que aconteceu de setembro
à Novembro de 2009 no CineMaison

No âmbito do Seminário de Cinema da Bahia, realização de mostra retrospectiva das obras do cineasta francês Jean-Luc Godard e de mesa redonda “Godard, Cinema e Poesia”, com a participação de estudiosos franceses e brasileiros da obra do artista.

Godard (Paris, 3 de Dezembro de 1930) é reconhecido por um cinema vanguardista e polêmico, que tomou como temas e assumiu como forma, de maneira ágil, original e quase sempre provocadora, os dilemas e perplexidades do século XX. Além disso, é também um dos principais nomes da “Nouvelle Vague”.

Depois da obra de estreia, Acossado (À bout de souffle , 1959), Jean-Luc Godard jamais reencontrou o sucesso. ”Só os grandes ditadores conseguem falar a milhões de pessoas de uma vez”, reagiu em uma palestra, como se não existissem grandes poetas capazes de falar ao grande público. Godard é do time de criadores cuja importância é inversamente proporcional a sua assimilação. Faz filmes de costas para regras. Busca a expressão própria, com rupturas entre imagens e diálogos, ritmo descontínuo e idéias no lugar de histórias.

Sua carreira é pura inquietação. Ele subverteu os gêneros do cinema americano, quebrou a narrativa em fragmentos com sentido autônomo e incorporou a eles trechos de literatura, quadrinhos, música erudita e artes plásticas. Também saiu à frente em certas discussões.

Após o movimento estudantil de maio de 1968, Godard criou o grupo de cinema Dziga Vertov — assim chamado em homenagem a um cineasta russo de vanguarda — e voltou-se para o cinema político. Pravda (1969) trata da invasão soviética da Tchecoslováquia; Vento do Oriente (Le vent d’Est, 1969), com roteiro do líder estudantil Daniel Cohn-Bendit, desmistifica o western e Até a vitória (Jusqu’à la victoire, 1970) enfatiza a guerrilha palestina. Mais uma vez, Godard procurou inovar a estética cinematográfica com Passion (1982), reflexão sobre a pintura. Os filmes seguintes, como Prénom: Carmen (1983) e Je vous salue Marie (1984), provocaram polêmica e o último deles, irreverente em relação aos valores cristãos, esteve proibido no Brasil e em outros países.

 
”Na época de Viver a vida, eu me preocupava com a duração do filme. Eu achava que com uma cena de dez minutos acrescentava simplesmente dez minutos à duração da fita. Cerca de 60% do filme era pura ‘encheção’ desse tipo. O nervosismo do espectador era justificado. Durante muito tempo tive problemas para preencher uma hora de filme. Tornei-me um hábil enganador. Havia um buraco, e eu não sabia o que fazer com ele. Em Elogio do Amor não há buraco algum. Ou melhor, se há, é do tamanho certo: duas imagens apenas, em uma hora de filme, no fim da parte em preto e branco. Lá estava o buraco negro; o universo existia, e eu o revesti de cores.”

 
Os personagens de seus primeiros filmes, como Acossado, Pequeno Soldado (Le Petit Soldat) e Demônio das Onze Horas (Pierrot le Fou) já refletiam sobre a crise da juventude. Vagavam pela vida sem ideais definidos, mas se negando pertencer às normas de conduta. Nos filmes dos anos 80 e 90, com a assimilação da inquietação juvenil pela sociedade de consumo, o tom melancólico predominou.

Godard filma como quem pinta um quadro, sem contribuição criativa de terceiros. Mesmo depois de atuar em dez filmes godardianos, o ator Jean-Pierre Léaud não o decifrou. ”Nunca se sabe o que está pensando”, afirma. Seu método foge do figurino. Ele se guia por anotações em um caderninho, não por um roteiro, e sopra o texto aos atores na hora da cena. A atriz Isabelle Huppert estranhou ao atuar em Passion. Pediu explicações sobre a personagem e ganhou uma lição de vida. ”Não tente entender. Apenas sinta”, disse o diretor.

Filho de um médico francês e de uma herdeira de banqueiros suíços, Godard rompeu com os pais na juventude depois de se decidir pela crítica de cinema e descobrir o passado anti-semita de parte da família. Ao lado de um grupo de resenhistas ferinos que virariam cineastas (François Truffaut, Eric Rohmer, Claude Chabrol, Jacques Rivette), esteve na linha de frente da nouvelle vague, a renovação do cinema francês. Godard sempre foi o mais radical da turma, acusado de fascista e comunista, dependendo do filme e da ideologia dos acusadores. Documentos do regime militar brasileiro tratavam-no como líder de uma conspiração maoísta.

Glauber Rocha venerava-o. Chamava-o de ”revolução permanente”. O vulcão do cinema novo atuou para ele em Vento do Oriente. ”Quem quiser me ofender basta falar mal de Godard”, disse o cineasta brasileiro sobre o irmão artístico. O gênio francês sempre fez a linha ame-o ou deixe-o. Autor do roteiro de Acossado, Truffaut amou-o e deixou-o. Seu faro para negócios irritava Godard. Eles romperam por conta de uma pendenga financeira e de um ataque de Godard a um filme do ex-amigo (A Noite Americana). A frase de uma personagem de Elogio ao Amor sintetiza a trajetória do velho rebelde: ”Não há pressa para encontrar a tranqüilidade”.


Fontes:
Céline Scemama : Histoire(s) du cinéma,

FilmsdeFrance.com

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